quarta-feira, março 07, 2012

#113

Desde que te deixei, à alma entrego
meu olho que governa o andar no chão
e perde essa função e em parte é cego,
parece ver, mas realmente não:
que ao coração as formas não transmite
de ave, de flor, de vulto que aferrolha;
nem na alma os alvos rápidos que fite,
nem na própria visão mantém o que olha:
e a vista mais gentil, o que é mais torvo,
o mais doce favor, atroz criatura,
a montanha ou o mar, a pomba, o corvo,
o dia, a noite, a ti os configura.
     Sem poder mais, contigo até à pele,
     o mais fiel de mim faz-me infiel.

in Os Sonetos de Shakespeare, tradução de VGM