Postal VIII
...E ele, Arnaldo? Que sulcos deixara o tempo no seu viver, no seu íntimo, na sua aparência? Curioso: naquele dia recordara muita gente, episódios, cenários - e essa viagem a coisas do passado (um passado recente, cos diabos!) revelava-lhe que os seus hábitos se tinham transformado muito, sem ele dar por isso. Escravizara-se à profissão (melhor: à rotina), às ociosas lições. Afastara-se dos amigos. A sua vida degenerara numa medíocre monotonia, já nem o sonho dele participava. O café, o cinema, uma ou outra historieta de mulheres, cada vez mais espaçadas. O vazio. Manuela surgia, agora, como a pedrada no charco. Ou estaria ela, muito simplesmente, a divertir-se com o crédulo explicador de matemáticas, tal como ele se divertia com as ingénuas solitárias dos jornais? Precavido, doseando os alvoroços, estaria sempre a tempo de virar o feitiço contra o feiticeiro. (Exacto, Arnaldo: não te esqueças da imagem que te foi distribuída.) Doía-lhe um pouco a cabeça - eram horas de jantar....
in Resposta a Matilde, Fernando Namora