Postal XI
...Saudades da família? Não era bem isso. Era mais o desejo de voltar a ver os cenários de tudo aquilo. Ah, tudo aquilo vivera tanto do cenário! Mas fora cair num palco todo modificado, com um grande alçapão de mágica ali mesmo no meio. A Cova da Moura? Nem vestígios da Cova da Moura!
Já o facto de lá chegar de «machimbombo» era qualquer coisa que estava fora do programa. Que tomasse o 22, dissera-lhe um polícia. E o 22 transportara-o do Areeiro até à Estrela; depois, num salto, sem ter de andar às voltas pelas ruas da Lapa ou pelo Chafariz das Terras, sentiu-se arrebatado através de uma avenida larga, novinha em folha, que descia, a caminho do rio - e a caminho do rio abrira mesmo um túnel por debaixo da velha Calçada da Pampulha! Reconheceu-a, lá por cima, num relance; tocou a campainha; mas acabou por descer muito mais adiante, perto já da Avenida 24 de Julho. Tinha agora de retroceder. E todo ele se assombrava perante todo aquele novo aparato de escadas, ponte, rampas, parapeitos.
Mas lá estava a Calçada da Pampulha! E ali continuavam a circular, ronceirosos, os mesmos eléctricos que a tia Salomé tomava - ninguém sabe para onde. A tia Salomé tinha, por vezes, o dom de se sumir, dias inteiros, como o fumo no ar, de ser invisível como o próprio Ar....
in Gaivotas em Terra, David Mourão-Ferreira