terça-feira, junho 04, 2019

Terceira leitura

(...) As geresianas não são produto da insistência da relação com objectos e pessoas. São o tempo original em que a alma convive com a eternidade; o coração repousado no amor do seu destino aguarda e vê. O indivíduo escapa ao nosso entendimento, as grandes ideias não se unificam nem se movem em turbilhão; a identidade  extinguiu-se porque as pessoas, como chamas, se confundem, para sempre esquecidas da noção de dois mundos, de duas realidades. Desde que se atingem as vertentes das geresianas, um ser humano dissolve-se num outro “como uma gota de orvalho cintilante” – dizia o meu poeta, assim como disse que às vezes Deus dá o sinal de que passa pelas trevas distantes, e tudo se imobiliza, cóleras, segredos, vento que desce da serra, ecos das torrentes, palavras que descem como torrentes, tudo – e um amor imenso paira e reconcilia todas as coisas. Velha amiga que é a terra, ela não nos decepciona, e poderemos durante milénios chamar nobre à raça humana. Se uma lágrima descer sobre estas linhas como um fio de prata, é porque  existe consolação até ao último homem que por último desaparecer; quando a Terra rolar à volta do Sol, com noites e manhãs, e só talvez o lírio geresiano olhe e pense no seu seio de cinzas.

in Os Meninos de OuroAgustina Bessa Luís

sexta-feira, agosto 31, 2018

Férias judiciais

No adulto jovem, diz-se
é injusta a extra-sístole,
exaustos
os olhos do apostador confirmam-no,
no início do fim do Verão
são injustas as montras iluminadas,
ignoram a sombra nas varandas,
a que empurra corpos para braço nenhum,
o advogado prepara-se
uma mesa cheia de acusados,
fogo posto no figueiral da infância,
certamente inocentes.

segunda-feira, julho 02, 2018

Sessenta e oito

Ouço-te ainda
mãe delícia,
(fruto mal resolvido)
sobrepõe-te,
usa a tua perícia,
aniquila o ruído
que de noite
me tira o teu ouvido.

quinta-feira, junho 28, 2018

S. Pedro & S. Paulo (to Jason)

J

sábado, outubro 21, 2017

Postal XI

CIDADE DOS DESAPARECIDOS


Muitas vezes não amei Lisboa,
não soube amá-la ao anoitecer
dos dias úteis, quando era gasta,
parada e suja, e nos autocarros
quase vazios viajava de luz acesa
a entranhada tristeza do mundo
que foi a minha primeira e mais
precoce intuição. Grande cidade
dos desaparecidos, eu não tive 
tantas vezes a saúde de gostar
dos teus pequenos jardins
abandonados. Quando nos cafés
já iam desligando as máquinas
e do outro lado da linha ninguém
voltava jamais a responder
como eu queria, quantas vezes
não pude achar o sítio e o sossego
para esquecer e dormir? Mesmo assim,
eu não te fiz justiça, Lisboa, quando
 me queixei de ti: eu não era exemplo,
eu sempre estranhei um pouco a cama
da vida.

in Longe da Aldeia, R.P. Cabral

sábado, setembro 30, 2017

Tiago de certeza viu

(...) "Porque me viste, acreditaste. Felizes os que crêem sem terem visto!" (...)

in Biblia, Jo 20:29

domingo, janeiro 08, 2017

Branco

- Dizem que ninguém atravessa a ponte de O'Connel sem avistar um cavalo branco. - diz Gretta
- Vejo um homem de branco desta vez. - responde Gabriel em 1987.

(Não estranhes se ao escutar as gaivotas te lembrares de mim, também as ouço aqui todos os dias.)