...e quando vim para Lisboa o meu tio tirou uma fotografia da carteira e não era a minha avó, era o senhor da brilhantina e dos lábios pintados, a sorrir no meio dos painéis das partidas e chegadas, das lojas de artesanato, de sanduíches, de bebidas, dos guichés, dos bagageiros, das funcionárias fardadas, só faltava o acordeão, só faltavam os violinos, e eu com vontade de lhe devolver o retrato
- Não quero isto para nada
a guardá-lo na algibeira, contrariada, o meu pai equilibrava-se na muleta como uma avestruz instável, de tempos a tempos, sabendo que o não faria, pensava
- Tenho de escrever para Colónia
no Natal, na Páscoa e na altura dos anos recebia um postal com uma praça, uma rua, uma paisagem chuvosa, passados meses troquei de emprego e de pensão e os postais cessaram, conheci o Álvaro na escola de cinema onde me matriculei para me distrair do trabalho, era fácil reparar nele por ser o único que não usava barba, e o Ricardo a encolher os ombros, despeitado
- Não tenho medo nenhum, só não quero chatices....
in A morte de Carlos Gardel, António Lobo Antunes